Nada mais belo e
comovente, do que as comemorações de final de ano. As questiúnculas entre
pessoas pobres de espírito e outros tantos sentimentos nascidos da ganância,
desaparecem por um tempo. As querelas, filhas prematuras do ódio, dão lugar ao
perdão, conquistado à custa de muitos presentes e mesas fartas. Por esse fato,
ao iniciar o ano, a guerra pela sobrevivência e pelo poder, volta com força
total. Os seres humanos reincorporam o seu estado natural, isto é, animalesco. E
as desavenças continuam.
Nessa época, a cidade veste-se de cores
reluzentes, dando um brilho diferente as ruas, becos, ladeiras e praças. O
comércio, tentando recuperar o período das vacas magras, oferece os mais
diversos produtos, vendendo-os a preço de ouro. Nas cidades turísticas e litorâneas,
faltam de tudo, no que diz respeito à infraestrutura. As datas comemorativas
coincidem com o período do verão estarrecedor. Essa junção é a química perfeita
para o desassossego da população, quer seja ela, flutuante ou não.
Foi num dia desses, para fugir da
clausura, que resolvi dar uma volta pelo centro da cidade. Embora não seja
adepto de agitações e aglomerações, acabei absolvendo aquele clima festivo.
Enquanto caminhava, observava tudo à minha volta. Desde a infância, sempre tive
um olhar de lince, o que me custou horas de intensa alegria ou de agonia. Por
outro lado, com esse dom, colhi fragmentos para adornar meus contos e crônicas
da vida cotidiana.
Numa dessas andanças descompromissadas
com o mundo, fui agraciado com a presença descontraída de vossa majestade, o
Rei Fabrício, no meio da multidão. Desprovido da coroa dourada e cravejada de
pedras preciosas, do cetro e da roupa branca, sob uma manta com as cores da
bandeira, lá estava ele. Por alguns momentos, se fez povo e, por isso, fora
reconhecido somente por alguns dos seus súditos.
O rei estava ladeado pelo Comandante Geral
do Exército do “Reino Caiçara”, o tenente-coronel Sutra. Soldados da Guarda Real
protegiam o rei. Notei que ele estava descontraído e sorria para aqueles que o reconheciam
e o saldavam. Não havia paparazzi, nem fotógrafo e nem uma blogueira que vivia
infernizando a monarquia. Ninguém mais da realeza estava ali. Nem mesmo o
primeiro escalão ou os asseclas e bajuladores
o importunavam. Penso que ao sair do Palácio Caiçara, vestindo-se de cidadão
comum, ele poderia viver um momento de povo. Era muito bom, sentir o cheiro dos
governados. Esse era o espírito daquelas datas comemorativas.
Desde que o Rei Fabrício ascendeu ao
trono real, com a queda daquela rainha incompetente e insana, eu tinha o sonho
de conhecê-lo pessoalmente. Por diversas vezes, pedi aos seus assessores mais
próximos, inclusive, aos seus aduladores, que me proporcionasse o encontro. Blindaram
o rei e, por isso, todo esforço foi em vão. O rei continuava intocável, como
aquela rainha que entrou para o desterro do esquecimento. Por isso, acreditava
que o rei era apenas um conto escrito por um literato sonhador.
Mas, naquele dia, por força do destino ou
do acaso, recebi o presente tão esperado e passei a acreditar que o rei não era
uma lenda, mas, sim, que ele existia em carne e osso. O Rei era real.
Peruíbe SP, 02
de janeiro de 2018.
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