Sinto
ojeriza e medo de animais peçonhentos. Deus me livre de cobra, aranha,
escorpião, lacraia, taturana, vespas, marimbondo e outros tantos que perambulam
por aí. Quando banhava no córrego, que ladeava minha terra natal ou caminhava
pelo mato, do sítio do meu avô paterno, no bairro Bondade, tinha por regra,
medir cada passo. “Cautela e caldo de galinha, não faz mal a ninguém”, dizia minha
avó à beira do fogão à lenha, cozendo um mungunzá.
Foi ouvindo conselhos, que aprendi
a separar o joio do trigo. A natureza ensina como se lidar com a vida, basta
observar com atenção e carinho os seus sinais. Como pode um pássaro sair voando
por aí e retornar sem aparelho de precisão? Ainda fedelho, procurava observar
as coisas à minha volta, enquanto as crianças da minha idade corriam para lá e
para cá, sem se preocuparem com nada. Aquela minha inquietação, ajudou-me a
compreender o mundo á minha volta.
Dentre os animais peçonhentos, havia
aqueles com e sem veneno. A cobra jararacuçu, a aranha viúva-negra e o
escorpião amarelo estavam entre os mais venenosos e, por isso, tinham que se
ter cautela redobrada. Já a cobra d´água é considerada inofensiva, sem veneno.
Essa quando se sente incomodada, ao invés de atacar, foge pela água do riacho.
Por ter nascido no mato e por me considerar um capiau, aprendi a lidar com toda
espécie de bicho, seja ele peçonhento ou não.
Quando por força do destino,
mudei-me para a cidade grande, em busca de melhoria de vida, levei comigo o
costume de fazer leitura simples do que acontecia ao meu derredor. Ao lidar com
o corre-corre do dia-a-dia e com vaidade das pessoas, não me foi difícil interagir
com o desconhecido. Na cidade grande, a ganância e o orgulho dos homens,
tornaram-se mais vorazes do que os do mato. Mas por saber diferenciar o animal
peçonhento do venenoso, sobrevivi.
A vaidade, a ganância, a
arrogância, o orgulho, a prepotência, ira, luxuria, gula, soberba, a inveja, dentre
outros, são venenos, cujo antídoto ainda não foi descoberto pelos cientistas do
mundo e nem mesmo do Instituto Butantã. Percebi que o homem, quando investido
de um cargo e, em especial, os de autoridade pública, assemelham-se aos animais
peçonhentos e venenosos. Usam e abusam do poder, por isso, humilham, maltratam,
vilipendiam, como se os títulos honoríficos fosses eternos. Acham-se cobras com
veneno. Ledo engano!
Alguns chegam ao absurdo, quando
numa contenda pessoal, querendo valer-se do cargo, como se fosse colete à prova
de bala, dizem: “O senhor sabe com quem está falando?”. É certo que tudo passa na
vida, como vai à chuva e vem o sol, assim também lá se vão os títulos. No ataúde não se vão propriedades terrenas e,
muito menos, títulos e insígnias adquiridas, muitas vezes, sem merecimento. Na
realidade, ali só cabe um corpo inerte, cujo destino primordial e ser alimento
de vermes.
Ao deparar-me com situações dessa
natureza, reporto-me a minha vida campesina, onde, a todo o momento, lidava com
a cobra jararacuçu e a cobra d´água. Embora sentisse ojeriza, eu as respeitava.
Isso porque elas sabiam se comportar, cada uma no seu lugar. Ao aposentar-se, a
autoridade pública, volta a ser uma pessoa comum. Por isso, deve urgentemente,
recolher-se a sua insignificância. Querer ainda se prevalecer do cargo, do
diploma ou título, já pendurado no quadro do esquecimento é, antes do tudo, uma
imbecilidade sem tamanho.
Quando investido do cargo, fez e
aconteceu, mas, agora, ao pendurar a chuteira, não faz mal para mais ninguém. E
se porventura, do alto de sua arrogância, me perguntar: “O senhor sabe com quem está
falando?”, não titubearei em responder: “Estou falando com uma COBRA SEM VENENO!”. Cobra sem veneno,
não faz mal para ninguém.
Peruíbe SP, 03
de dezembro de 2017.
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