Éramos um grupo coeso.
Reuníamos quase todas as semanas, para descontrair, filosofar, dissertar sobre
assuntos diversos. Chamávamos esses encontros, carinhosamente de “paradinha”.
Isso mesmo, parávamos no tempo e esquecíamo-nos da rotina do cotidiano. Era de
costume, regá-los ora com um suculento churrasco, ora com petisco, sem
esquecer, é claro, das bebidas destiladas ou fermentadas.
O grupo continua a existir. Narro
no pretérito mais que perfeito, para ter um sabor gostoso de história, de
lenda. Sei que um dia, quando partirmos para uma churrascada no andar de cima,
seremos lembrados como amigos imortais, não acadêmicos, claro! Seremos apenas
um nome de rua ou teremos um busto de bronze, encravado na praça da igreja
matriz. Mas, por enquanto, está bom, assim. Vamos reunindo por aqui, ora na
casa do Bill Gates, ora na casa do Didi.
Um gostava de falar sobre óvni,
outro de gnose, outro de contar sobre aventuras mulheris, outro discorria sobre
um guru de nome Baxaregrita e, por aí se vai. Era terminantemente proibido
falar ou querer resolver coisas do trabalho. Por falar nisso, eram todos
oriundos do Palácio Caiçara, onde prestavam todos os tipos de serviços reais. A
exceção de mim, que fazia parte das fileiras da honrosa policia secreta real.
Em que pese ser forasteiro, fui muito bem acolhido pelo grupo.
A amizade lapidada a mais de uma
década, permitiu que, aos poucos, fossemos agraciados com apelidos carinhosos.
Tinha o Cara de Cavalo, o Pé de Gato, o Bill Gates, o dom Orlando – Alfafa Fofa,
o Didi, o Cavalinho, o Fernandinho Tó Tó, o Polônia e eu, claro, o Cobra Sem
Veneno. Um deles gostava de tragar uma bebida de menta, esverdeada, que a chamava
de “sangue de grilo”. Enquanto nos divertíamos até altas horas, o Polônia
pilotava a churrasqueira e suava mais que frango em cima de teto de zinco
quente.
Em tempos de crise, que assolava
não só o mundo, mas, também, o Reino Caiçara, todos os convivas, traziam algo
de comestível ou bebível, para o encontro, tornando uma mesa farta. Um deles,
amante da natureza e agricultor nato, não se esquecia da sua hortaliça. Chegava
todo sorridente com um caixote, repleto de hortaliças diversas. Para cada uma,
procurava descrever, desde o nome cientifico, até poderes fitoterápicos. Era
nítido o carinho que ele nutria pela lavoura e as coisas da roça.
Enquanto ele ministrava sua aula
campesina, eu ficava imaginando, chegando à horta. Ao abrir a porteira, já ia
dizendo: “Bom dia, meu pé de alface! Por que o está triste meu repolho? Deixa de
ser assanhada, minha couve-flor. Por onde anda a acelga? Eu não te aguento mais,
meu coentro”. Creio que todas elas, recepcionavam dom Orlando, com
muito amor e respeito. Ao discorrer sobre a importância das verduras no
organismo humano, dispensava um carinho especial pela alfafa. Não foi á toa,
que o agraciamos com o apelido de “Alfafa Fofa”. Não era bullying, coisa de
americano baitola.
Entre um gole e outro, o Cara de
Cavalo perturbava tanto o Polônia, que o amigo perdia as estribeiras e, assim
meio gago, dizia: “Vai... vai te catar”. A gargalhada era geral. Bill Gates, o
nosso maninho, como um bom
anfitrião, não deixava faltar nada. Era só perceber alguém com a garganta seca,
lá estava ele oferecendo uma latinha. Para falar a verdade, lá tinha de tudo,
desde cachaça, até técnico de futebol. Ali, coroávamos e destronávamos
governantes, resolvíamos as equações da vida, criávamos leis e revogávamos as
disposições em contrário. Pensa num grupo coeso, pensa.
O gostoso do grupo, não era só a
descontração e a degustação da comida e da bebida, mas, acima de tudo, a busca
do bem comum. Quando alguém precisava de ajuda ou de socorro, lá estavam todos
estendendo a mão. Era preciso entender, que não havia jogo de vaidade e, ainda,
expurgava-se qualquer sinal de traição, quer seja financeira ou moral. Todos
falavam a mesma língua e professavam o mesmo ideal. A liberdade de expressão era
soberana. “Posso não concordar com o que fala, mas lutarei de unhas e dentes,
para que possa dizer”. Esse era o princípio básico de tudo.
Cavalinho, irmão caçula do Cara de
Cavalo, o mais comportado do grupo era um expert em preparar uma caipirinha e,
por isso, posso dizer que era um barman enrustido, que não tardava a sair do
guarda-roupa. Didi um pedreiro, preparando-se para ser justo e perfeito, sabia
esquadrinhar a alma e coração dos amigos. Fernandino Tó Tó andava sumido e diziam
que, depois que se acasalou com uma jurisconsulta, andava refugiado lá pelos
lados da Laranja Azeda, no Condado de Itariri SP. Já o Pé de Gato, em suas
filosofias e estudos transcendentais, nos levava a mundos insondados.
Mas voltemos ao assunto mãe.
Desculpem-me, pois fico entusiasmado e, por isso, costumo divagar. Procuro não
ser prolixo, mas não tem jeito, não sei me controlar. A alfafa fofa passou a
ser imprescindível na mesa, durante os encontros do grupo. Quando alguém se
encarregava de organizar o encontro, ligava para dom Orlando e dizia: “Não
se esqueça de levar a alfafa fofa”. Encontro sem alfafa fofa, não era
encontro, era reunião. E reunião era por demais maçante.
Penso que além dos poderes
fitoterápicos da alfafa fofa, o maior deles era unir ainda mais o grupo,
estreitar os laços de amizade, solidificar a amizade nascida há mais de uma
década. Não existia nada de mais belo, quando todos saboreavam as folhas de tão
deliciosa hortaliça. Engraçado era ver dom Orlando, querendo comer tudo
sozinho. Parecia um discípulo do Huck.
Enfim, eis ai o grande SEGREDO DA ALFAFA FOFA.
Peruíbe SP, 01
de outubro de 2017
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