Sabe o que é acordar de
madruga e ver o sono se esvair pelos dedos? Não se ouve o estrilar do grilo, o
coaxar do sapo martelo e, muito menos, o piar da coruja na cumeeira da casa
velha. Nada de som e de luz... um vazio imenso, apenas. Os casais apaixonados
acordam de repente, na madrugada do leito, para fazerem amor. Mas eu, desperto
tão cedo, no vazio do quarto, para pensar na vida e falar de mim mesmo. Seriam
coisas da idade ou perturbação da mente? Não sei!
No silêncio, que me cerca, busco
alento na literatura e nos rabiscos do papel. Nessa arte solitária, procuro
externar meus pensamentos e sentimentos perdidos no tempo. Lembro-me do meu pai
e dos meus avós que se foram. Recordo com saudades da minha infância em Guaimbê
SP, correndo pelas suas ruas descalças, sem compromisso com a vida. Como na
película de um filme antigo, vejo a vida passar pela minha memória, desgastada
pelo tempo. Por falar nisso, quanto tempo me resta? Sei lá!
Amigos que se foram, antes do combinado,
sem me avisar. Romances desfeitos, por coisas banais. Os filhos que, um dia, nasceram
pela graça de Deus. Viagens internacionais, que não aconteceram, mas que se materializaram
nos projetos do filho empreendedor. As fotos amareladas no álbum de família
demonstram que o tempo é ingrato e não perdoa. Carcomido pela vida, o corpo dá
sinais de cansaço. Mas a memória, treinada para a arte da escrita, ainda resiste,
feito soldado nas trincheiras de uma guerra insana.
Acordar de madrugada, sem sono, é
privilégio de poucos. Reunir todos os pensamentos perdido no tempo, assim numa
folha de papel, não é fácil. Lá longe, muito longe, a água cristalina de uma
cachoeira, caminha lentamente em busca do mar. Mas eu aqui, fico a pensar na
natureza da vida. O pensamento é uma canoa, navega o corpo e a alma voa. Por
isso flutuo por mundos inimagináveis e por galáxias, dantes intransponíveis.
Feito um falcão trocando suas penas, renovo os meus conceitos sobre a vida e a
morte.
Não vejo a hora de o dia
amanhecer. Quero, desesperadamente, ouvir o ganir do cachorro, no portão da
casa vizinha; o cantar do galo, no poleiro; o chilrear dos pardais desbotados
e, é claro, as primeiras vozes dos anciões indos rumo á padaria do seu Manoel.
A mudez da madrugada começa a me importunar. Tenho necessidade de ouvir vozes,
sentir o calor humano das pessoas, mesmo que distantes. Essa coisa louca de
respirar a agitação cotidiana, como se a solidão não fizesse parte da vida. Uma
vida bandida, talvez.
Acordar de madrugada, sem sono, é
privilégio de poucos.
Peruíbe SP, 17
de outubro de 2017
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