Desde que me
entendo por gente, sempre fui inquieto com tudo que me cerca. Nunca acreditei
na verdade absoluta e, por isso, sempre caminhei em busca de resposta daquilo
que me aguça a curiosidade. Nessa busca interminável, já deparei com toda sorte
de assunto e de mistério. Nas minhas pesquisas solitárias, desbravei mundos
insondáveis e conceitos arcaicos, escondidos na ignorância da mente humana.
Por isso, meus ouvidos nunca se prenderam ao
que outros pensam ou deixam de pensar. Mas uma coisa é certa, tudo que é feito
às escondidas, revestido de mistérios, causa especulações ou conclusões
errôneas de pessoas maldosas e pouco esclarecidas intelectualmente. Por conta
disso, criam-se mitos ou factoides, que vagam pela eternidade.
Nas minhas andanças pelas províncias do Reino
Caiçara, conversando aqui e acolá com súditos de singeleza impar, fui
surpreendido com informações de que nos muros intra-palaciano, existe uma seita
secreta, com rituais desconhecidos. Dizem até que invocam os poderes do
“cabrunco”, durante os trabalhos, não sabendo se religiosos ou não. Como quem
conta um conto aumenta um ponto, dizem que os seguidores são escolhidos à dedo
dentre os habitantes das províncias e, ainda, que durante os rituais, sacrificam
animais.
Mas, em que pese todo tipo de especulação, o
que preocupa é que os adeptos da tal Real Seita Secreta – R.S.S, infestaram a monarquia caiçara. Eles
ocupam os principais cargos do primeiro e segundo escalão. Dizem que são eles
que mandam e desmandam e que o Rei Fabrício é apenas um “pau mandado”, uma
“Maria vai com as outras”. Já é sabido que, desde que ascendeu ao trono, rei
ganhou de presente uma “eminência parda”. Ainda não se comemorou o primeiro ano
de reinado e já se percebe as primeiras arranhaduras ou rachaduras de seu
governo.
Todas as vezes que se fala em mudança de
governo, onde os governados sonham com melhores dias vindouros, vem à mente o
romance “A revolução dos bichos”, de George Orwell. O que chega, diz que tudo
vai mudar para melhor e que as aberrações do anterior, serão apenas um quadro
velho pendurado na parede do esquecimento. Mas, ao final, o que se vê, são as
repetições de erros anteriores. E o que é pior, membros renegados do governo
anterior, fazendo parte da nova corte.
Como diz o adágio popular: “Mudam-se as
moscas, mas a merda é a mesma”. O que difere esse governo do anterior é apenas a
introdução de membros da Real Seita Secreta no primeiro e segundo escalão. Como
a origem dessa seita é secular e, portanto, está em todas as partes do mundo,
crê-se que o rei é apenas uma marionete humana, na mão dos que querem apenas
usurpar o poder e a riqueza do Reino Caiçara.
As reuniões com escopo de se discutir
assuntos de interesse do palácio ou das províncias, são realizadas às portas
fechadas, não se permitindo a presença da imprensa e, muito menos, respeitando
o que preceitua a lei da transparência. Eu, um simples vassalo, sem título de
nobreza, pedi um encontro com rei e nunca fui atendido. Fui barrado pelos
soldados de chumbo da guarda palaciana. Sentado na cadeira do trono, o rei só
tem olhos para aqueles que o bajulam. Quando ele era apenas um dos membros, que
compunham o Parlamento (Câmara dos Comuns), assim não agia.
Dizem as más línguas que, mesmo antes de
ascender ao trono, o Rei Fabrício já era membro honorário da Real Seita
Secreta. Acreditam os súditos que essa é a razão primordial para convocar
membros dela, a fim de comporem postos estratégicos do governo.
Só nos resta esperar que o rei não se torne
refém de seus próprios segredos. A história (tempo) não perdoa.
Peruíbe SP, 22
de agosto de 2017