sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O REINO EM COMA PROFUNDO


                          Certo dia, pela manhã, ao caminhar preguiçosamente pelas ruas descalças do reino, notei um clima sombrio pairando no horizonte. Pessoas cabisbaixas e de olhares distantes. Passos descompassados, levando a lugar algum. Nenhum diálogo e conversas apenas por sinais ou monólogos. Rostos banhados em lágrimas e expressão de intensa consternação. Um céu cinzento, desenhando a manhã daquele mês de verão.

                                   Busquei informações aqui e acolá, sobre o que se sucedia. Um silêncio angustiante e respostas desencontradas, era o que se tinha naquele momento. Nada estampado nos meios de comunicação. Nem mesmo a “rádio peão” – aquela que não deixa você na mão – sabia o que acontecia. Então, fui tomar um café de coador, no boteco do “seu” Agripino. Todas as manhãs, lá aportam pessoas do Reino Caiçara e dos reinos vizinhos. Como de costume, nobres e plebeus, passavam por ali, para saborearem o melhor café do reino e, também, para jogarem conversa fora, fofocarem, melhor dizendo,

                                   Foi entre um gole e outro, que recebi uma triste notícia. O “Zé Boca de Caçapa”, cochichou algo ao meu ouvido, como se contasse um segredo de Estado. Disse compassadamente, que o Reino Caiçara estava em coma profundo. Fora acometido, repentinamente, de uma doença não diagnosticada e estava entre a vida e a morte. Isolado na UTI do Hospital Real, agonizava lentamente. Uma junta médica, escolhida à dedo pela Monarquia, tentava reanimá-lo. Os maiores especialistas daqui e além-mar, foram convocados para salvar um Reino em agonia.

                                   Aparelhos de última geração e médicos renomados, com seus bisturis e medicamentos, debruçavam sobre o Reino, na sala de cirurgia. A pulsação, o batimento cardíaco, a respiração, a temperatura, os sinais vitais do paciente, se misturavam com a responsabilidade e a ansiedade dos profissionais da saúde. Ali, sobre a mesa cirúrgica, estava o Reino Caiçara. A nobreza, os súditos, os vassalos e os asseclas e o mundo estavam com os olhos e a atenção voltados para aquela sala. “E se o Reino Caiçara morrer, o que será de nós?” – Perguntava o povo sofrido.

                                   Mas que doença era aquela de que padecia o Reino? Sem um diagnóstico médico preciso, começaram as especulações. De boca em boca, foi se alastrando as mais absurdas origens e sintomas da doença desconhecida. Uns diziam que, desde o início, o Reino foi infectado pelo vírus da inércia e da incompetência; outros, pelo vírus da corrupção, da ganância, da soberba. Os pessimistas de plantão, diziam que o Reino já nascera natimorto.

                                   Enquanto no centro cirúrgico, os médicos faziam da tripa coração, para salvar o Reino; lá fora, os súditos e os plebeus, diziam que o Reino já apresentava septicemia aguda (infecção generalizada) e que o levara à falência múltipla dos órgãos. “Que órgãos estavam comprometidos?”, perguntou o povo. “Os órgãos de finança, obra, saúde, educação e de moradia. Porém, de todos, o mais afetado, era o da finança, pois fora contaminado pelos vírus devastadores da corrupção e da licitação escusa”, responderam os maiores especialistas, convocados pela Corte Palaciana, os quais, sem sucesso, tentaram salvar o Reino Caiçara.

                                   É de se lamentar que um Reino tão novo e alvissareiro, tenha caído em desgraça e findado os seus dias vindouros, no leito frio do esquecimento e do abandono. De nada adiantou a dedicação dos especialistas e a esperança da população. Ao se enveredar pelos caminhos da arrogância e da incompetência, acabou se contaminado com o vírus devastador da corrupção. O vírus de uma pseudo-eternidade absoluta, custou-lhe a vida.  

                                   Que o Reino Caiçara descanse em paz, no mausoléu daqueles que não quiseram entender, que nascemos para servir e não para sermos servidos. Que isso sirva de lição. Amém!

 
Peruíbe SP, 24 de fevereiro de 2017

sábado, 11 de fevereiro de 2017

O REINO E A CAMADA DE OZONIO


                                    Preciso parar com essa mania de ficar me preocupando com tudo. É certo que não vou conseguir arrumar o mundo. O que vou conseguir, na realidade, é ganhar uma úlcera nervosa ou um AVC indesejado. Mas, por mais que eu queira, não consigo fugir das questões do dia-a-dia. Desde a infância, sou uma pessoa inquieta e sempre paguei caro por isso. Não consigo ficar sentado à beira do caminho, vendo o mundo passar numa sangria desembestada.

                                   Não consigo me conformar com a passividade das coisas. Faço perguntas e mais perguntas, sobre o que acontece ao meu derredor. São as perguntas que movem o mundo e não as respostas. Os cientistas, pensadores, filósofos, matemáticos e os poetas, nascem dos questionamentos e do inconformismo. São esses loucos e inveterados, que fazem o mundo girar e evoluir. O mundo não os compreende, mas eles compreendem o mundo. Melhor que seja assim.

                                   Outro dia, numa das minhas divagações, passei a me preocupar com a camada de ozônio. “Para que serve aquele troço?”, perguntei. Só de pensar, ativei minha inquietação. Lá fui eu correr atrás de livros científicos e de pesquisas virtuais. Descobri que a camada de ozônio é uma área da estratosfera (altas camadas da atmosfera, de 25 a 35 km de altitude), que possui uma elevada camada de ozônio. Esta camada funciona como uma espécie de “escudo protetor” para o planeta Terra, pois absorve cerca de 98% da radiação ultravioleta  de alta frequência emitida pelo sol. Sem essa camada a vida humana em nosso planeta seria praticamente impossível de existir.

                                   Em 1983, pesquisadores fizeram uma descoberta que gerou muita preocupação: havia um buraco na camada de ozônio na área da estratosfera sobre o território da Antártica. A existência de buracos na camada de ozônio é preocupante, pois a radiação que não é absorvida chega ao solo, podendo provocar câncer de pele nas pessoas, pois os raios ultravioletas alteram o DNA das células. Não dormi por vários dias, depois da bendita pesquisa. Por que fui caçar sarna para me coçar?

                                   Curiosamente, andando pelas ruas do Reino Caiçara, deparei-me com uma infinidade de buracos. Então, mais uma vez, vieram perguntas inquietantes para um cérebro que não dorme. “De onde vieram tantos buracos e quais as consequências danosas para o reino?”.  Corri até o Palácio Real, a procura de cientistas (engenheiros, políticos e aspones), onde gritei por uma resposta plausível. Ninguém me atendeu, portanto, sai decepcionado e sem entender o porquê dos buracos.

                                   Já em casa, fui buscar resposta no meu “Dicionário de Aches”, isto é, de achar, descobrir. Então, depois de uma longa pesquisa científica, descobri que os buracos vieram das licitações fraudulentas, da péssima qualidade do material usado e da falta de fiscalização na execução da obra. Descobri, também, que com o passar do tempo, a chuva, o vento e o uso constante, fez com que os buracos aumentassem em tamanho e profundidade.

                                   Quais seriam as consequências da não observância do que estava acontecendo e do não reparo? Resposta: danos materiais em veículos e pessoas. “Elementar meu caro Watson!” Assim como na camada de ozônio, os buracos causam danos irreversível, os do Reino Caiçara, causam danos materiais e políticos irreparáveis. Descobri, também, um buraco financeiro gigantesco intra-palácio, que pode abalar eternamente a monarquia. Se o novo rei, não fizer reparos urgentes nesse buraco, à monarquia vai se afundar cada vez mais.    

                                   Uma vez descoberto o problema, os cientistas debruçam em pesquisas, em busca de soluções imediatas, a fim de reparar os danos causados ao planeta. O mesmo se deve esperar do rei e de seus auxiliares direitos. Reparar os danos causados nos buracos das ruas é urgente. Porém, mais urgente ainda, é cuidar de estancar o buraco financeiro, pois se esse continuar aumentando, o Reino Caiçara se afundará num despenhadeiro sem fim.

                                   Se isso acontecer, o Reino Caiçara será apenas um quadro pendurado na parede. Nossa, como dói!

                                                                                 Peruíbe SP, 11 de fevereiro de 2017.