Certo
dia, pela manhã, ao caminhar preguiçosamente pelas ruas descalças do reino,
notei um clima sombrio pairando no horizonte. Pessoas cabisbaixas e de olhares
distantes. Passos descompassados, levando a lugar algum. Nenhum diálogo e
conversas apenas por sinais ou monólogos. Rostos banhados em lágrimas e
expressão de intensa consternação. Um céu cinzento, desenhando a manhã daquele
mês de verão.
Busquei informações aqui e acolá,
sobre o que se sucedia. Um silêncio angustiante e respostas desencontradas, era
o que se tinha naquele momento. Nada estampado nos meios de comunicação. Nem
mesmo a “rádio peão” – aquela que não deixa você na mão – sabia o que
acontecia. Então, fui tomar um café de coador, no boteco do “seu” Agripino.
Todas as manhãs, lá aportam pessoas do Reino Caiçara e dos reinos vizinhos.
Como de costume, nobres e plebeus, passavam por ali, para saborearem o melhor café
do reino e, também, para jogarem conversa fora, fofocarem, melhor dizendo,
Foi entre um gole e outro, que
recebi uma triste notícia. O “Zé Boca de Caçapa”, cochichou algo ao meu ouvido,
como se contasse um segredo de Estado. Disse compassadamente, que o Reino
Caiçara estava em coma profundo. Fora acometido, repentinamente, de uma doença
não diagnosticada e estava entre a vida e a morte. Isolado na UTI do Hospital
Real, agonizava lentamente. Uma junta médica, escolhida à dedo pela Monarquia,
tentava reanimá-lo. Os maiores especialistas daqui e além-mar, foram convocados
para salvar um Reino em agonia.
Aparelhos de última geração e
médicos renomados, com seus bisturis e medicamentos, debruçavam sobre o Reino,
na sala de cirurgia. A pulsação, o batimento cardíaco, a respiração, a
temperatura, os sinais vitais do paciente, se misturavam com a responsabilidade
e a ansiedade dos profissionais da saúde. Ali, sobre a mesa cirúrgica, estava o
Reino Caiçara. A nobreza, os súditos, os vassalos e os asseclas e o mundo
estavam com os olhos e a atenção voltados para aquela sala. “E se
o Reino Caiçara morrer, o que será de nós?” – Perguntava o povo
sofrido.
Mas que doença era aquela de que
padecia o Reino? Sem um diagnóstico médico preciso, começaram as especulações.
De boca em boca, foi se alastrando as mais absurdas origens e sintomas da
doença desconhecida. Uns diziam que, desde o início, o Reino foi infectado pelo
vírus da inércia e da incompetência; outros, pelo vírus da corrupção, da
ganância, da soberba. Os pessimistas de plantão, diziam que o Reino já nascera
natimorto.
Enquanto no centro cirúrgico, os
médicos faziam da tripa coração, para salvar o Reino; lá fora, os súditos e os
plebeus, diziam que o Reino já apresentava septicemia aguda (infecção
generalizada) e que o levara à falência múltipla dos órgãos. “Que
órgãos estavam comprometidos?”, perguntou o povo. “Os órgãos de finança, obra,
saúde, educação e de moradia. Porém, de todos, o mais afetado, era o da
finança, pois fora contaminado pelos vírus devastadores da corrupção e da
licitação escusa”, responderam os maiores especialistas, convocados
pela Corte Palaciana, os quais, sem sucesso, tentaram salvar o Reino Caiçara.
É de se lamentar que um Reino tão
novo e alvissareiro, tenha caído em desgraça e findado os seus dias vindouros,
no leito frio do esquecimento e do abandono. De nada adiantou a dedicação dos
especialistas e a esperança da população. Ao se enveredar pelos caminhos da
arrogância e da incompetência, acabou se contaminado com o vírus devastador da
corrupção. O vírus de uma pseudo-eternidade absoluta, custou-lhe a vida.
Que o Reino Caiçara descanse em
paz, no mausoléu daqueles que não quiseram entender, que nascemos para servir e
não para sermos servidos. Que isso sirva de lição. Amém!