A arte é feita para ser
contemplada. Seja a literatura, pintura, música, escultura e outras tantas. As
longas horas de concepção do artista e a dor do parto, no momento de vê-la
pronta e entregue ao mundo, devem ser respeitadas por todos. Só eu sei o
flagelo de vê-la brotar em nossa mente, passando pelo processo da criação, até
ganhar forma e sair por aí, embelezando esse mundo tão frio e carente de
sentimentos. Não se criam artistas em laboratório, pois, quem é, já nasce
pronto. O artista, por si só, é uma obra imortal do Grande Arquiteto do
Universo.
Nas minhas divagações, caminhando
pelas ruas e praças do “Reino Caiçara”, deparei com algo que me chamou a
atenção. Por vários dias, aquela cena dantesca, torturou meu cérebro. E como
ser pensante, após analisar criteriosamente cada detalhe do que ali se expunha,
passei a fazer perguntas a mim mesmo. O que move o mundo, não são as respostas,
mas, sim as perguntas. As grandes descobertas, científicas ou não, nasceram das
perguntas de seus criadores.
Lembro que se avizinhavam datas
festivas e as cidades do reino se vestiam de luzes e cores cintilantes,
embriagando-se numa alegria incontrolável. O ar exalava prazer e as noites
dormiam embaladas em sonhos de luxuria e consumismo. Mas eu ali, sentado num
canto qualquer da praça, observava tudo com calma e esmero. O povo alvoroçado,
num corre-corre desenfreado, não se atinha aos detalhes à sua volta. Crianças
mimadas e manhosas queriam apenas deliciar das guloseimas expostas aqui e
acolá, em barracas improvisadas.
Na praça matriz do reino, havia
esculturas disformes. Em que pese o esforço de quem as esculpiu, visando
representar o natal, causavam espanto às crianças e olhar de repúdio aos
adultos. Por alguns instantes, senti-me como se estivesse num reino distante,
conhecido como “Reino de Itu”. As expressões faciais eram de filmes de terror
hollydianos. Tenho para mim, que o natal se traduz em paz, ternura e alegria,
portanto, aquelas esculturas, não representavam o natal da minha infância.
Num canto qualquer daquela praça,
havia uma singela manjedoura, desprovida de beleza e alegria. Notei de pronto,
que Jesuscristinho ali não se encontrava. Procurei-o desesperadamente pelos
arredores, mas não o encontrei. Perguntei aos transeuntes, mas, apressados com
seus afazeres, não me deram atenção. Alguns chegaram a me perguntar: “Quem
é Jesuscristinho?”. Emendei: “É o aniversariante do mês”.
Retrucaram: “Não conheço, nunca ouvi falar”.
Mas o que me causou maior espanto,
não foi o que ali estava exposto, mas, sim, o que se pagou pelo conjunto da
obra. Comenta-se de boca em boca, que o reino pagou oitenta mil patacas, em
moeda corrente. Não se conhece o idealizador e nem de onde veio. Sabe-se apenas
que foram restauradas, já no espaço aéreo do “Reino Caiçara”. O que se vê
então, não foi só a arte de esculpir, mas, também, a arte de enganar e de
iludir o povo. Um povo que nunca teve olhar clínico pela arte e, muito menos,
pelo que acontece ao seu derredor.
Os governantes e seus asseclas tem
por mania, transformar as pessoas em marionetes. Através da arte do
ilusionismo, o reino hipnotiza os súditos e os vassalos, adoçando seus lábios e
ofuscando suas visões. Vendem sonhos de tempos melhores e embriagam os corações
com falsas promessas. Aproveitam datas festivas, como o natal e o carnaval,
para surrupiaram os cofres públicos. Dão com a mão direita e retiram com a
esquerda.
Já meio cabisbaixo, ao deixar
aquela praça, olhando as expressões desfiguradas daquelas esculturas, pude
entender a ausência sagrada do meu Jesuscristinho. Penso que assim, como as mortais
crianças, ele ficou com medo daquilo que estava à sua volta. Ou então,
sentiu-se horrorizado com os valores pagos àquela obra artística.
Tenho saudade do natal da minha
infância, o qual era revestido de beleza e de ternura. A ilusão ficava por
conta da nossa imaginação. Não era permitido que os monstros criados pelos
adultos, assombrassem a nossa mente.
Peruíbe SP, 18 de dezembro de 2017.