segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O PALACIO NA PENUMBRA


 
Adão de Souza Ribeiro

 
                                   Andei um tempo meio arredio. Enclausurei-me dentro do meu “eu”, com desejo imenso de fazer uma retrospectiva das minhas caminhadas pela vida, essa vida de eterno retirante. As pressões do mundo externo deixam fragilizados meu coração e espirito. Na solidão, busco alimento para as indagações da mente, que me torturam diuturnamente. Ali quietinho, comprazo-me da felicidade de poder dormir e sonhar em paz.

                                   Mas, de vez em quando, sou compelido a deixar minha clausura e sair por aí sem rumo, sem eira e nem beira. E nessas andanças a contragosto, deparo-me com toda sorte de cenas. Ao retornar para minha clausura, vejo que estou debilitado, física e espiritualmente. Levo longos dias para me recompor e, só assim, percebo que não posso transformar o mundo, num paraíso tão sonhado, desde minha tenra infância.

                                   Numa dessas caminhadas, fui parar no Palácio Caiçara. O jardim exuberante, que agora jardim não era, estava murcho, meio borocoxô. As janelas opacas, já não conseguiam espiar o movimento desenfreado das carruagens e dos súditos, em seu derredor. As dezenas de portas emperradas traduziam o estado de abandono e não se abriam sorridentes aos convivas e visitantes.  É degradante ver os lustres sem os brilhos de outrora.

                                   Senti um aperto no coração, quando vislumbrei a rainha cabisbaixa, num dos cantos de seu aposento, abandonada à própria sorte. Por onde anda o seu esposo, o “Conde Tupiniquim”? Contam os fofoqueiros de plantão, que o Primeiro Ministro, depois de surrupiar os cofres públicos do reino, bateu em revoada, para outra capitania hereditária e com a burra cheia de moedas de ouro. A fome voraz dos membros da corte deixou o reino jogado às traças.

                                   O choramingo de vossa majestade, não mais é ouvido pelos súditos. Cansados da má administração do reino, o povo aguarda com a ansiedade a abdicação do trono. Por não ouvir o clamor do povo, a rainha perdeu força na Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes. Não vai longe à derrocada do poder. Os fiéis escudeiros deram as costas e nem mesmo os soldados da guarda real a reverenciam. No início do reinado, foi orientada a afastar-se das aves de rapina, mas, embriagada pelo poder, não deu ouvidos às pessoas simples.

                                   Naquele dia em que eu passava pelo reino, soube que fora cortada a energia do Palácio Real. Nunca vi tamanha humilhação para um povo trabalhador e ordeiro. Em que pese o palácio estar no escuro, a casa oficial do Primeiro Ministro, parecia o “Titanic”, de tão iluminado que se apresentava. Ao bem da verdade, o Primeiro Ministro é uma pessoa muito iluminada, pois nada acontece com ele, que possa abalar as estruturas do reino.

                                   Os suntuosos banquetes, regados a bebidas caríssimas e longas danças de salão, não existem mais. São apenas velhos quadros empoeirados nas paredes. Hoje, o palácio vive dias de solidão e abandono. Apenas alguns serviçais caminham para lá e para cá, sem saber o que fazer. A rainha esquecida num canto qualquer, vai se definhando aos poucos. Os seus fiéis escudeiros, tornaram seus desafetos e, agora, partem numa busca desesperada de outro reino, a quem possam bajular descaradamente.

                                   Do lado de fora, nos arredores, alheios ao que acontece dentro do muro palaciano, o povo sofre por não saber como será o futuro do Reino Caiçara. A coroa maculada, não desperta mais o encanto dos súditos e vassalos. Quem será o próximo monarca e o que se pode esperar dele? Quem serão as próximas sanguessugas do poder, travestidas de benfeitores? Que terá a nobreza de reerguer a dignidade do palácio e devolver ao povo sofrido, uma gota de esperança?

                                   De uma coisa estou certo: “É triste caminhar pelos corredores do Palácio Real e ver o estado de abandono em que se encontra. A penumbra que o envolve, é de cortar o coração, de quem depositou tanta esperança, numa rainha louca e ausente”. Só me resta dizer: “God save the Queen” (Deus salve a Rainha).
 
Peruíbe SP, 24 de outubro de 2016