Naquela
manhã de outono, os jardins que circundavam o palácio real, vestiam-se de uma
beleza estonteante. As árvores centenárias, dançavam ao sabor do vento. As
flores, com seus toques femininos, exalavam perfumes atraentes por entre os
canteiros, cuidadosamente tratados. Os pássaros cantoros, bailavam suavemente,
numa coreografia impar, entre um galho e outro. Todo aquele cenário bucólico,
dava um toque especial a arquitetura singular do Palácio Caiçara.
Não bastasse o presente
da natureza, que aquele lugar recebera, o cerimonial encarregara-se de
acrescentar outros adereços, previamente elaborados. Para isso, foram
contratados os maiores especialistas em decoração e paisagismo. No quesito
musical, para abrilhantar o ambiente, nada menos do que a Orquestra Sinfônica
de Viena, remunerada a peso de ouro. Naquele ambiente de luxo, o mundo veria
desfilar as mais cobiçadas grifes do planeta. Em carros desenhados
artesanalmente, chegavam os convivas, escolhidos de acordo com o poder politico
e econômico, daquele reino e além mar.
Era desejo de vossa
magestade real, servir aos comensais, um banquete inesquecível. Desejava
comemorar o primeiro ano de sua ascenção ao trono e, acima de tudo, unir
fraternalmente os seus auxiliares diretos e indiretos. Neste mesmo diapasão,
mostraria aos reinos vizinhos, o seu espirito humanista. Tinha no sangue azul,
o princípio da humildade, herdada de seu genitor, o Duque de São Bernardo. Há
meses, planejava minuciosamente cada detalhe, para que tudo desse certo e que
todos deixassem o palácio, satisfeitos.
Redes de comunicações do
mundo inteiro, tablóides e paparazes, desfilavam por todos os espaços daquele
lugar encantador. A Rainha, ladeada pelos três mosqueteiros e seguranças
truculentos, recebia os convidados com um sorriso discreto e um leve aperto de
mão. Os bajuladores, não permitiam a aproximação de jornalistas e fotógrafos,
sob a alegação de que a monarca falaria no momento oportuno, numa entrevista
coletiva. Blindá-la, era oficio deles e que os levavam ao orgasmo. Isso causava
desconforto a ela, mas, ao mesmo tempo, deixava-a feliz, por que se sentia
querida e amada por eles. Doce inocência dela!
Já há altas horas,
estavam todos sentados às mesas, servindo-se das melhores bebidas e de pratos
tradicionais e exóticos. Alguns chefes de Estado, dentre eles, o Papa Salu I,
eram destaques naquele evento. Eles conversavam de tudo, desde o preço do
chuchu no mercado negro, até o decote da Duquesa de Ruínas e as pernas da
Princesa Sofia. As mulheres exibiam suas roupas espalhafatosas, penteados
exuberantes, sensualidades no andar e olhares provocantes. Já os homens,
procuravam vangloriar-se de poderes fictícios.
Como o ser humano é
imprevisível, do nada surgiu uma discussão entre um dos ministros e um
convidado que tinha pretensão de ocupar um lugar ao sol, no Reino Caiçara.
Distante do centro do problema, a monarca procurava comporta-se como uma
anfitriã refinada. Ao perceber o tumulto, os jornalistas e os câmeras se posicionaram,
procurando o menor ângulo. Palavras ofensivas e roupas sujas começaram a serem
lavadas ali. O convidado, em alto e bom tom, dizia horrores sobre o seu
interlocutor e isso era transmitido ao vivo e a cores, pelas redes de
televisão. As lentes das câmeras registravam cada cena, para serem estampadas
nos tabloides.
A discussão enveredou
para o confronto físico, havendo a necessidade de intervenção da guarda real. A
briga pelo poder, não respeitou a autoridade da rainha e nem os parâmetros da
discrição, além da turma do deixa disso. O reino, pela primeira vez, expôs a
ferida da ganância e do desinteresse em defender o bem comum. Ficou claro que
todos ali, menos a rainha, estavam apenas representando, serem os defensores
dos interesses do reino, quando na realidade, queriam apenas encher a burra
particular, com dinheiro público.
Entristecida, a rainha
recolheu-se aos seus aposentos, sem que percebessem a sua ausência. Pela primeira vez, sentiu o peso da coroa sobre sua cabeça e da responsabilidade sobre seus ombros. Não houve a
entrevista coletiva, porque a rainha teve uma má digestão, em razão do que fora
servido por um de seus ministros: "O prato indigesto do desejo nefasto pelo
poder, somente pelo poder".