sexta-feira, 29 de março de 2013

BANQUETE INDIGESTO


                        Naquela manhã de outono, os jardins que circundavam o palácio real, vestiam-se de uma beleza estonteante. As árvores centenárias, dançavam ao sabor do vento. As flores, com seus toques femininos, exalavam perfumes atraentes por entre os canteiros, cuidadosamente tratados. Os pássaros cantoros, bailavam suavemente, numa coreografia impar, entre um galho e outro. Todo aquele cenário bucólico, dava um toque especial a arquitetura singular do Palácio Caiçara.

                        Não bastasse o presente da natureza, que aquele lugar recebera, o cerimonial encarregara-se de acrescentar outros adereços, previamente elaborados. Para isso, foram contratados os maiores especialistas em decoração e paisagismo. No quesito musical, para abrilhantar o ambiente, nada menos do que a Orquestra Sinfônica de Viena, remunerada a peso de ouro. Naquele ambiente de luxo, o mundo veria desfilar as mais cobiçadas grifes do planeta. Em carros desenhados artesanalmente, chegavam os convivas, escolhidos de acordo com o poder politico e econômico, daquele reino e além mar.

                        Era desejo de vossa magestade real, servir aos comensais, um banquete inesquecível. Desejava comemorar o primeiro ano de sua ascenção ao trono e, acima de tudo, unir fraternalmente os seus auxiliares diretos e indiretos. Neste mesmo diapasão, mostraria aos reinos vizinhos, o seu espirito humanista. Tinha no sangue azul, o princípio da humildade, herdada de seu genitor, o Duque de São Bernardo. Há meses, planejava minuciosamente cada detalhe, para que tudo desse certo e que todos deixassem o palácio, satisfeitos.

                        Redes de comunicações do mundo inteiro, tablóides e paparazes, desfilavam por todos os espaços daquele lugar encantador. A Rainha, ladeada pelos três mosqueteiros e seguranças truculentos, recebia os convidados com um sorriso discreto e um leve aperto de mão. Os bajuladores, não permitiam a aproximação de jornalistas e fotógrafos, sob a alegação de que a monarca falaria no momento oportuno, numa entrevista coletiva. Blindá-la, era oficio deles e que os levavam ao orgasmo. Isso causava desconforto a ela, mas, ao mesmo tempo, deixava-a feliz, por que se sentia querida e amada por eles. Doce inocência dela!

                        Já há altas horas, estavam todos sentados às mesas, servindo-se das melhores bebidas e de pratos tradicionais e exóticos. Alguns chefes de Estado, dentre eles, o Papa Salu I, eram destaques naquele evento. Eles conversavam de tudo, desde o preço do chuchu no mercado negro, até o decote da Duquesa de Ruínas e as pernas da Princesa Sofia. As mulheres exibiam suas roupas espalhafatosas, penteados exuberantes, sensualidades no andar e olhares provocantes. Já os homens, procuravam vangloriar-se de poderes fictícios.

                        Como o ser humano é imprevisível, do nada surgiu uma discussão entre um dos ministros e um convidado que tinha pretensão de ocupar um lugar ao sol, no Reino Caiçara. Distante do centro do problema, a monarca procurava comporta-se como uma anfitriã refinada. Ao perceber o tumulto, os jornalistas e os câmeras se posicionaram, procurando o menor ângulo. Palavras ofensivas e roupas sujas começaram a serem lavadas ali. O convidado, em alto e bom tom, dizia horrores sobre o seu interlocutor e isso era transmitido ao vivo e a cores, pelas redes de televisão. As lentes das câmeras registravam cada cena, para serem estampadas nos tabloides.

                        A discussão enveredou para o confronto físico, havendo a necessidade de intervenção da guarda real. A briga pelo poder, não respeitou a autoridade da rainha e nem os parâmetros da discrição, além da turma do deixa disso. O reino, pela primeira vez, expôs a ferida da ganância e do desinteresse em defender o bem comum. Ficou claro que todos ali, menos a rainha, estavam apenas representando, serem os defensores dos interesses do reino, quando na realidade, queriam apenas encher a burra particular, com dinheiro público.

                        Entristecida, a rainha recolheu-se aos seus aposentos, sem que percebessem a sua ausência. Pela primeira vez, sentiu o peso da coroa sobre sua cabeça e da responsabilidade sobre seus ombros. Não houve a entrevista coletiva, porque a rainha teve uma má digestão, em razão do que fora servido por um de seus ministros: "O prato indigesto do desejo nefasto pelo poder, somente pelo poder".

domingo, 3 de março de 2013

A QUEDA DO PRIMEIRO MINISTRO

          Numa manhã, acordei com a noticia matutina, sobre a queda do Primeiro Ministro. Não só a rádio peão, mas, também, toda a imprensa escrita, falada e televisada, estampava a alvissareira noticia em primeira mão, como furo de reportagem. Cheguei a acreditar, que estava sonhando e que tudo era surreal. Seria uma "Pegadinha do Faustão" ou uma brincadeira de mal gosto?
          O Papa Bento XVI e o meteorito de tamanho imensurável, cairam. Bin Laden, Adolf Hitler, Sadam Hussein, Fidel Castro, muro de Berlim, os dogmas da igreja e tantas outras coisas despencaram na ladeira da história, mas o Primeiro Ministro não caia. Parecia uma rocha intransponível e estava mais firme que o prédio do Sérgio Naya. Por isso, não podia acreditar na queda prematura do Patrus, o Primeiro Ministro do Reino Caiçara.
          Era um ministro de peso, não só físico, mas, também, de influencia politica. Quem ditava as regras do jogo, tinha influência no Parlamento e na Câmara dos Comuns, era ele. Sabia, como ninguém, negociar com as empresas fornecedoras do reino, obtendo vantagens finaceiras pessoais, sem deixar rastros. Com maestria, blindava a Rainha, a fim de que ninguém dela se aproximasse e, com isso, se fazia portador das coisas excusas do reino. Seus asseclas o tinham, não apenas como um fiel escudeiro de quinta categoria, mas, o que é pior, como um "deus de Olimpo".
          O que seria do reino e da rainha sem ele. Profetizou um escritor imortal de que Patrus, era o "Duco da Rainha". Vide no "Dicionário do Aurélio", o significado da palavra duco. Como iriam terminar as obras faraônicas, as barganhas de cargos, os banquetes palacianos, as licitações fraudulentas, as bajulações asquerosas, os irrequecimentos ilícitos, sem ele. Com a queda Patrus, creio que o reino estava se sentindo orfão de tudo isso. Patrus tinha na mão, a batuta que conduzia com maestria, as partituras de todas as pompas do reino.
          Não foi à toa, que a Rainha, quebrando todas as regras da ética e da moral, o nomeou como Primeiro Ministro do Reino Caiçara. Traiu todos os seus súditos e vassalos, em nome dos interesses imorais palacianos, ao conduzí-lo ao cargo chave do reino. Creio que os conselheiros da corte, disseram para Soberana, que não se devia importar com a opinão do povo, pois ele - o povo - é apenas uma massa de manobra. Por todas as capitanias, não havia outro comentário, senão a queda prematura do Primeiro Mnistro.
          Aquela manhã nublada, traduzia o clima taciturno que pairava sobre o palácio real. Havia comentários de que ao tomar conhecimento da trágica notícia, a soberana real recolhera em seu aposento. Recolhida no silêncio do poder e bastante chorosa, a rainha meditava sobre a viuvez de quem a conduzia pelos corredores e pelos jardins do palácio. Era ele quem sussurava aos ouvidos dela, sobre as decisões irreversiveis, como por exemplo, quem deveria ser conduzido ao cadafalso e sumetido ao peso da guilhotina, por trair os interesses da corte.
          Eu, um súdito obediente e sem ostentar título de realeza, estava preocupado com a saúde emocial da monarca e com o destino moral do reino, provocado pela queda inesperada de Patrus, o Primeiro Ministro. Pensei comigo: "Se o Ministro da Saúde do Reino caiu, por não participar de uma viagem oficial, por que o Primeiro Ministro não poderia cair?", isso confortou-me por alguns momento. A queda poderia ter sido apenas um acidente de percurso, nada mais.
          Preocupa-me a saúde da soberana. Do bem estar dela, depende todo o reino. Sei que ela se sentia confortável no braços de seu Primeiro Ministro. Nem o vice-rei e os demais ajudantes da corte, gozavam de tamanho privilégio. Era ele quem conduzia aos passeios reservados, por toda a extensão do palácio, além de ser seu confidente pessoal. Ninguém chegava à rainha, senão por ele. Era como Cristo, pois ninguém chegeva a Deus, senão por Ele. Por isso que os bajuladores despudorados viam em Patrus, um mensageiro direto de Deus ou da rainha... sei lá..
          Nem eu e nem todos os habitantes do reino, queriam acreditar na queda do Primeiro Ministro. Poderia haver uma invasão por parte da ganância dos reinos vizinhos ou, quem sabe, um herdeiro remoto, querer o trono. Tudo isso não passava de cojecturas, mas causava medo. Sem um articulador politico de tamanha envergadura, como o Primeiro Minustro, tudo isso seria possível.
          São por essa e por outras razões, que acordei apreensível com tal noticia. Como eu poderia certificar-me da veracidade do fato? Teria sido traido por um de seus asseclas, a quem ele ajudou tanto? A criatura teria devorado o criador? Então, fui até a frente do palácio real, onde ficava a entrada principal. Havia uma banca de revista, onde um jornaleiro experiente e desgastado pelo tempo, sabia de tudo que dizia a respeito do reino. Muito dscreto e reservado, só conversa sobre determinados assuntos em quem confiava. Eu era uma dessas pessoas privilegiadas.
          Ao conversar com ele sobre o assunto e ao ver em meu rosto tamanha preocupação, procurou acender um cigarro cubano, deu uma golado num vinho portugu es e depois de esboçar um sorriso descontraido, disse-me: "Fique tranquilo, meu filho. Isso foi apenas um queda acidental, ao subir a rampa do palácio real. Algumas escoriações no joelho, sendo atendido no Hospital Sirio-Libanes, por ordem de Vossa Magestade. Ela não queria que ele fosse atendida no UPA. Sabe como é, não é mesmo, meu amigo?", e sorriu descontraidamente.
          Voltei para casa, mais tranquilo. Sabia que tudo não passou de um mal entendido. Não foi dessa vez.