segunda-feira, 26 de novembro de 2012

INFÂNCIA PERDIDA (2)

                         Estou certo de que o relógio da vida não volta no tempo. A mola propulsora, que nos conduz ao futuro desconhecido, não se apieda do nosso destino. Somos levados a acreditar nas benesses do progresso, embora a incerteza do amanhã, nos espreita na próxima esquina. Feito animal rumo ao matadouro, nós seguimos as pegadas de seres inescrupulosos, os quais visam senão, a ganância que corrói a alma.
                        Nessa corrida desenfreada, perdemos a simplicidade da vida e caímos no vazio da existência, onde o ouro conquistado, não enriquece em nada a terra árida do espírito. Embora saibamos de tudo isso, persistimos em acreditar que tudo é bom e belo, quando, na realidade, não passa de um engodo. A natureza em toda sua magnitude, nos mostra o rumo a ser seguido. Enraivecida, procura cobrar aquilo que lhe foi arrancado de forma cruel, mas, mesmo assim, devolve-nos com gratidão, o pão e o leite.
                        Mas o que me preocupa sobremaneira, custando-me longas noites de sono, é a forma inescrupulosa com que lançam mão da inocência de crianças indefesas. Primeiro, roubam-lhes o direito de viver e sonhar. Depois, covardemente lançam-nas ao covil de leões famintos por dinheiro, sexo, droga, violência e toda sorte de mazelas.
                        Sentados na arquibancada da inércia total, nós assistimos calados, a derrocada de uma infância nati-morta, como se o futuro não dependesse dela. Como se a nossa geração, fosse o último estágio a ser cumprido pela galáxia. Ora, a cegueira de nossos corações, tornam negras as noites de nossa existência! Por que não lançamos mãos da espada da justiça e saímos para a luta, em defesa de nossas crianças, verdadeiras representantes de nossos ideais? Afinal de contas, cabem a elas, dar continuidade a nossa espécie, neste planeta tão maluco, porém, tão belo.
                        Ainda é tempo. Não sejamos hipócritas em acreditar que os poderosos, representados por uma imprensa pervertida, empresários desprovidos de bem-aventurança, falsos profetas vociferando citações bíblicas, instituições travestidas de filantropia, políticos corruptos, pessoas escravas da libertinagem, irão acolher e salvar nossas crianças do extermínio físico e moral.
                        Elas, nossa maior riqueza, estão sendo arregimentadas para o crime, o sexo, o tráfico e o trabalho escravo. Usando como pano de fundo a miséria, são arrancadas violenta e covardemente dos seios de suas famílias. Em seguida, são entregues a uma sociedade materialista e desumana. Depois de usar e abusar da infância dessas crianças indefesas, abandonam pelas ruas da indiferença, como se culpados não fossem.
                        Lembro-me pesarosamente, da minha infância simples, numa cidade interiorana, onde o único compromisso que tínhamos, era com a liberdade de ser criança. Onde o tempo não tinha pressa e a palavra maldade, não existia no dicionário da nossa inocência.
                        Parafraseando o poeta e com os olhos voltados para o futuro, digo: “Oh, que saudades que tenho. Da aurora da minha vida. Da minha infância querida. Que os anos não trazem mais”.

Peruíbe SP, 03 de abril de 2006

LÁ VEM MINHA INFÂNCIA

Lá vem minha infância
Montada num alazão
Galopando no tempo
Sem pressa, sem razão.
Lá vem minha infância
Em noites de sereno
Com olhar no passado
Brincando de inocente.
Lá vem minha infância
Correndo pela calçada
Saudando sua vida
E dela achando graça.
Lá vem minha infância
Vestida de rara beleza
Numa linda constelação
De milhões de estrelas.
Lá vem minha infância
Banhada de santidade
Tão bela e tão simples
Despida de vaidade.
Lá vem minha infância
Assim de pulo em pulo
E também lá vou eu
Sem pensar no futuro.
Peruíbe SP, 23 de agosto de 2011

terça-feira, 13 de novembro de 2012

NO DIA EM QUE A CIDADE PAROU

          Manhã de domingo. Irradiante de felicidade e com uma paz enorme no coração, apanhei a bíblia e o rosário, rumando para a igreja matriz. Eu embriagado de tanta felicidade, nada percebi ao longo do caminho. “Salve rainha, mãe de misericórdia... Pai nosso, que estais no céu... Ave Maria, cheia de graça...”, assim mentalizava as orações repetitivas e maçantes do ritual litúrgico. Aos domingos, tinha por costume, esquecer as mazelas da vida. Já não bastavam as atribulações da semana? Embora criança, eu aprendi no catecismo, dar a Cesar o que é de Cesar e a Cristo o que é de Cristo.
                        Mas ao subir as escadarias, vi que a porta estava fechada. Será que cheguei atrasado ou fui excluído da homilia? Se não cometi heresia, então por que tal penitência? Dei uma volta em torno da santa igreja e tudo fechado. O sino preso à torre de madeira estava estático; o badalo tão cantante, inerte. O alto falante, que anunciava os atos episcopais e os féretros, estava triste e mudo. No céu de brigadeiro, nenhuma andorinha com sua coreografia divinal.   
                        Foi nesse momento, que dei conta da cidade deserta, enlouqueci. Olhei ao derredor e me deparei com um silêncio estonteante. Nada acontecia, como que se um vendaval tivesse varrido do mapa, a vida bucólica da minha cidade. Por onde andavam as pessoas, os animais, a correria do dia-a-dia, o perfume das flores, o bailar das árvores, os seios fartos debruçados na janela, a canção alegre do rio, os beijos enamorados... por onde andava a minha cidade?
                        Perdido dentro de mim, eu percorri as ruas descalças e as esquinas mudas. Procurei pelas pessoas da minha infância e não estavam lá. O padeiro Onofre, solou a massa. O leiteiro João, derramou o leite da vida. O delegado Orlando, encarcerou a última esperança. O médico Sheizu, não tinha receita para o desânimo. A professora Almada, fechou a página da cartilha “Caminho Suave”. Procurei por mim e não me encontrei. A minha cidade era um quadro opaco, pendurado na parede da infância distante.
                        A quem deveria recorrer para saber o que estava acontecendo, se não tinha uma viva alma perambulando pelas ruas? Teriam as pessoas sido abduzidas e levadas para o desterro do desconhecido? Uma cidade encantadora, não poderia padecer de tamanha amargura e injustiça. Se eu encontrasse o alcaide ou o delegado, cobraria providências. Mas ao padre, pediria que exorcizasse a solidão do meu povo. Pediria ao médico que curasse a inércia de quem deveria lutar pelo bem comum.
                        Por um momento, sentei-me no meio fio e chorei longamente. Tal qual uma criança abandonada pelos pais, solucei. Não podia compreender como tudo aconteceu tão repentinamente e sem uma explicação plausível. Por um momento, senti-me órfão da vida e de mim, inseguro. As flores inodoras, o vento invisível, as casas fechadas dentro de si, os quintais vazios das traquinagens infantis, as ruas em passos lentos, os bares sem o tintilar dos copos, davam a exata dimensão da minha tristeza. E se eu rezasse? E se eu clamasse aos céus? E se eu me indignasse? Isso resolveria? De quem era a culpa de tamanha ignomínia levantada contra meu povo?
                        Ao recobrar-me do choro e depois de secar as lágrimas, respirei fundo e me recompus. Precisava buscar uma resposta para entender o porquê da minha cidade deserta. Não sei de onde viria a voz da verdade, já que nenhuma autoridade constituída  estava presente. Embora na tenra idade, eu tinha o direito de redescobrir a beleza da minha cidade e a alegria do meu povo. A minha inquietação e revolta haveria de ter resultados surpreendentes. Não nasci para aceitar com passividade o que não conseguia compreender.
                        Embora pequena, minha cidade tinha uma rotina. E era isso que dava vida e impulsionava as pessoas para o futuro, com planos sólidos e serenos. Mas deserta, daquele jeito que eu via, sem sangue em suas artérias, entristeceu-me. Tinha violência? Nada que causasse trauma ou polêmica, basta ver a cela da cadeia sempre vazia e o delegado tomando cachaça no “Bar do Aname”. Um ladrão de galinha, uma briga de comadres, um acidente de charrete, um marido enciumado, nada mais.
                        Ainda ali no meio fio, abri a bíblia, danei a rezar e a invocar a santidade do padre Antônio. O silêncio ecoava pelos quatros cantos e me torturava. Queria uma resposta e não tinha. Por que levaram a alma da minha cidade, arrebataram seu coração e sucumbiram o brilho de seus olhos? Queria de volta o sangue da alegria, que pulsava em suas artérias, pois esse era meu direito, como filho dela. Ninguém tinha o direito de calar a sua voz e empalidecer o seu encanto.
                        Foi então que percebi, num momento de lucidez e desprovido de emoção, que a minha cidade parou, não por desígnio de Deus; mas, sim, num toque de recolher, imposto pelo crime organizado.

Obs: Os nomes são fictícios e qualquer semelhança com pessoas reais, são meras coincidências.

Peruibe SP, 13 de novembro de 2012

sábado, 3 de novembro de 2012

A NOVA RAINHA

                     Passei longos dias, diante do palácio real, como todo bom cidadão, ou melhor, plebeu, aguardando o anúncio de quem seria a nova rainha, regente soberana. Enfrentei sol e chuva, fome e sede, dor e cansaço, ansiedade e tantos outros sentimentos, a fim de ter o prazer de poder saudá-la pela primeira vez, como governanta dessa terra tupiniquim. Nunca antes na história desse país, digo, dessa terra, se aguardou com tanto desejo, tal anúncio.
                      Quando ela apareceu na sacada, com um leve sorriso no rosto e um aceno de mão, o povo aplaudiu e vi renascer a esperança nos olhos de cada um. Engraçado como as pessoas sentem falta de carinho e proteção. A figura tranquila da monarca representa o colo singelo da mãe, que busca dar ao filho, a noção exata do porto seguro, que tanto se almeja.
                      Fez um rápido discurso de agradecimento ao apoio recebido, prometeu ser fiel aos súditos e, ainda, defender os interesses do reino. Jurou cumprir e defender a Constituição, não esquecendo, também, da obediência incondicional á Deus. Percebi no semblante dela, uma expressão não só de alegria, mas, também, de responsabilidade. Havia muito que se fazer naquele reino. Organizar o palácio e as províncias, não constituía tarefa fácil.
                      Notei que ladeava a monarca, um grupo de pessoas, creio que de sua extrema confiança. Lá estavam, dentre elas, o beato Salú – arcebispo da capela real, Patrus – tenor e cantor de ópera, Olinto – historiador da corte e Antero – porta voz, mestre de cerimônia e ajudante de ordens. Confesso que me causou espanto, vê-la ao lado de pessoas não bem quistas pelos seus vassalos e plebeus. Para nós, a rainha é a mãe protetora. Portanto, não queremos vê-la mal acompanhada.
                      A chegada da nova rainha implica em urgentes mudanças nos costumes e decisões do palácio, bem como, da corte, das províncias e das capitanias hereditárias. O povo que a ovacionou, quando a viu na sacada, é o mesmo que clama por justiça. Ele estava cansado de falsas promessas e explorações. De tanto sofrer, acreditou no sonho desenhado pela monarca e espero que ela não o decepcione. Os ansiosos súditos aguardavam a nomeação dos colaboradores diretos da corte.
                      Quem serão os escolhidos, que ocuparão os postos chaves do reino? Quais são seus planos de governo e as obras iniciais? Como conduzirá a economia e as finanças da nação? O seu perfil, diante das relações exteriores com os reinos vizinhos e além-mar, como se desenvolverá? E as províncias, como serão tratadas por ela e pelos seus assessores mais próximos? Uma série de perguntas e incertezas toma conta dos súditos sofridos, porém, esperançosos.
                      Quem será o seu primeiro ministro, o todo poderoso. Não há de ser aquele que a lesou, ainda quando aspirava ao trono. E o procurador geral, não há de ser aquele que lesou os cofres públicos em eras passadas. E o ministro da defesa, nem passa pela ideia de que seja um despreparado agitador político. Temo que seu porta-voz, seja aquele que a blindou e a afastou do cheiro do povo. Nessa gama de preocupações, não quero que o ministro do tesouro, seja uma ave de rapina, faminta por patacas (moeda real), ás custas das desgraças do povo.
                      Também, os admiradores da rainha desejam saber como será o relacionamento dela com a Câmara dos Comuns (congresso) e o Parlamento, uma vez que ela tem apoio da maioria absoluta dos congressistas e parlamentares. Cremos que não haverá barganha e nem loteamento da coisa pública. Confiamos que os legisladores exercerão com maestria, o dever primordial de criar leis e fiscalizar os atos do primeiro ministro. É sabido que na monarquia, a rainha reina, mas não governa; cabendo esse ato, ao primeiro ministro.
                      O que se espera da nova governanta, é que não se permita que caminhem de mãos dadas pelos corredores palacianos, arrogância, corrupção, nepotismo, negociatas escusas, malversação do dinheiro público, luxurias e pompas em benefício próprio, assessores inescrupulosos, censura de expressão, descaso com os lamentos do povo, perseguições aos adversários, injustiças sociais e desrespeito aos sonhos dos súditos. Acima de tudo, o que se espera dela, é que seja firme e justa em suas decisões. Que não se deixe levar por maus conselhos, vindos de pessoas inescrupulosas, que a cercam e bajulam.
                      Eu, particularmente, súdito admirador e fiel clamo para que a sala do trono esteja sempre aberta, não só para a família real, seus colaboradores diretos e bajuladores desavergonhados, mas, o que é mais importante, para os habitantes de uma nação, a quem ela propôs representar com dignidade e responsabilidade. Se assim agir, encontrará um exército de bravos soldados, dispostos a morrerem pela pátria. Todos empunharão suas espadas, em defesa da monarca e de todo o reino. Se, ao contrário, será aprisionada na masmorra do esquecimento. 
                      Enquanto a rainha acenava e eu divagava em pensamentos, um italiano emocionado disse: “Abbiamo una nuova Regina”. Um francês, muito gentil, exclamou: “Nous avons une noevelle reine”. Um alemão carrancudo, sussurrou: “Wir haben eine nue konigin”. Um inglês solitário, pensou: “We have a new Queen”. Mas eu, preocupado com destino traçado ao reino, exclamei ao céu: “Deus salve a rainha!”.

Obs: Todas as frases estrangeiras, siginifcam: "Temos uma nova rainha".

Peruibe SP, 03 de novembro de 2012