segunda-feira, 7 de junho de 2010

FLUMINENSE? NÃO, LINENSE!!!

Mário Prata (Jornalista e Escritor)
1952. O que eu mais me lembro é do caminhão. Em cima, uma banda e um time de futebol. Os jogadores eram Inocêncio, Rui e Noca; Geraldo, Frangão e Ivan; Alfredinho, Américo, Washington, Próspero e Alemãozinho. O técnico, Renganeshi. E a banda tocava uma musiquinha que nunca mais saiu da minha cabeça.
"Você pensa que Linense é sopa?
O Linense não é sopa, não.
O Linense vem da Noroeste,
E é o pentacampeão!"
E o povo na rua cantava, gritava, chorava. Tinha seis anos, nunca tinha visto nada igual na minha vida. O caminhão estava chegando do aeroporto e os atletas viajaram pela Real Aerovias, diretamente do Pacaembu - onde haviam vencido a Ferroviária de Araraquara por tres a zero - diretamente, eu dizia, para a frente da minha casa na Rua Oswaldo Cruz. Tres gols do Américo Murolo, que logo seria vendido para a Itália. O Linense estava na Primeira Divisão. Foi há 58 anos.
E foi assim que eu comecei a gostar de futebol e torcer eternamente para o time da minha cidade, embora eu tenha nascido em Uberaba. Chegamos a golear o São Paulo, de Poy, De Sordi e Mauro; Pé de Valsa, Bauer e Alfredo; Maurinho, Albeja, Gino, Negri e Teixeirinha lá na frente. Quatro a um.
Mas a alegria durou pouco e em 1957, cinco anos depois, caimos. Foi duro. Chorei. Silêncio de "Maracanã de 50" na cidade. As ruas vazias, um oco na garganta. Meu pai ao lado do rádio olhando para o chão vazio. Minha mãe com lágrimas nos olhos.
E, de lá para cá, durante 53 anos quando me perguntam qual o meu time, ei digo:
- Linense!
- Quê?... Fluminense?
- Linense, de Lins!!!
E gozam da minha cara.
Gozavam!!!
Pois o Clube Atlético Linense, fundado em 1927, voltou no dia 24 de abril para a Primeira Divisão paulista, idiotamente conhecida como A1. Titulo este conseguido com uma rodada e meia de antecedência. E mais: com o artilheiro da Segunda Divisão, idiotamente chamada de A2 (para mim, parece nome de remédio. E a Quarta Divisão que se chamava B1). Aliás há bem pouco tempo estávamos na complexa B2 (ex-Quinta Divisão), junto com o Barueri, por exemplo. Eu falava do artilheiro. É o Fausto, que fez exatos 24 gols em 25 jogos disputados. Neste memorável 2010, era o artilheiro do Brasil até sábado. Neymar chegou a 25 somados tres campeonatos e muito mais jogos. Adriano?, imagina.
E no domingo, dia 2 de maio, quem é Linense e não mora mais lá, voltou para ver a entrega das faixas e da taça, no último jogo, contra o São Bernardo - outra excelente campanha. Um jogo de seis gols, tres para cada lado.
Dizem que a população de Lins está em torno de oitenta mil pessoas. Mas fora, somos mais de um milhão. Não havia mais quarto nos hotéis, não havia mais ingressos. Vi linenes que não via há quarenta anos. Estávamos todos abraçados, chorando. Viramos moleques novamente. Cadê meu estilingue, meu bilboquê, minha bola de gude e a de capotão? E onde foi parar o Cine São Sebastião, o Palácio Encantado da Noroeste? Cadê o bar do Raco, o sanduiche do bar do Mário? Onde está o padre Mário que levava os internos do Salesiano ao estádio, o Gigante de Madeira? Senti que estavam todos lá. Senti mesmo!
Você que é do interior está me entendendo. E você que é de São Paulo, torcedor dos times ricos, fique de olho. O Linense não é sopa, não.
Que nos aguardem o Santos de Neymar, o Palmeira do Marcos, o Timão do Chicão, o São Paulo do Hernanes. Eles estarão em Lins.
Durante os 53 anos, sempre tive ao meu lado namoradas, esposas, amigas e amigos, e depois filhos, que me acompanhavam naquela loucura de domingo ao ficar fuçando rádios cheios de chiados (e depois pela internet) para saber quanto foi o Linense contra o Elvira de Jacareí, pela Quarta Divisão, por exemplo. Me olhavam meio com o lado do olho, desconfiados que aquela paixão não iria levar a lugar nenhum. Mas eu sei que elas e eles também sofriam comigo. E torciam calados, talvez para não me darem muita esperança. Passavam a mão na minha cabeça.
Mas foram todos para Lins comigo, dia 3 de maio; minha mulheres, meus homens, meus filhos.
Depois do jogo, invadi o gramado junto com a multidão e chorei feito um moleque. De soluçar, sob o olhar atento dos filhos, corintiano e outro palmeirense. Agora, tenho certeza, também linenses.
E ninguém vai perguntar para eles:
- Fluminense?
Artigo Publicado no jornal "O Estado de São Paulo", dia 13 de maio de 2010, coluna Esporte, página E 2