domingo, 31 de janeiro de 2010

O PE DA PLANTA


Adão de Souza Ribeiro

Fui criado no mato. Por isso, trago na genética, o traço caipira. Não há como esconder que aprecio demais, observar a natureza e o que ela escreve, através de seus sinais. A frieza do asfalto não conseguiu roubar de mim, a simplicidade da alma. Foi o êxodo rural que empurrou meus familiares para as ruas, onde no lugar de café e laranjais, plantam-se prédios sem sombra e sem encanto.
Aprendi as duras penas, capinar esperanças, regadas com suor do rosto, na certeza de que os frutos não tardavam brotar. O entardecer no horizonte e o cheiro de relva foram substituídos por luzes incandescentes e cheiro fétido de boca-de-lobo. A comida caseira, ao pé do fogão a lenha, deu lugar a lanche devorado apressadamente, numa lanchonete qualquer da Avenida Padre Anchieta. E assim, sem eira nem beira, perdido a esmo, vou me distanciando das minhas verdadeiras raízes.
Mas em que pese esse sofrimento, em busca da identidade perdida, trago comigo, em razão minha genética, o dom de observar a natureza e seus sinais. E, o que é mais importante, a mudança do comportamento humano. Na selva de concreto, os sábios e doutorados, subestimam meu conhecimento e caçoam do meu jeito de ser e vestir. Não compreendem que dentro de mim, existe um tesouro escondido. Não aprenderam garimpar a alma do homem.
Desde pequeno, observando meus pais e minhas raízes familiares, aprendi qual melhor época, por exemplo, para se plantar cenoura ou beterraba. Ao olhar para o céu, posso afirmar se vai chover ou ventar daqui algumas horas. Remédios caseiros, eu sei décor e salteado para o que serve. Embora as pessoas não acreditem em benzedeiras, não as dispenso. Prefiro parteira, para ajudar no nascimento de um herdeiro, do que essa tecnologia fria, que pode mutilar ou matar.
Lembro-me com saudade, quando nas tardes chuvosas, o arco-iris cruzava o céu do meu sertão, enquanto eu e as crianças da minha infância brincávamos na enxurrada. Quantas arapucas nós armávamos e, depois de apanhar sanhaços, soltava-os. Nas noites enluaradas, brincávamos de cantigas de roda. As histórias contadas pela avó, para nos fazer dormir. O cheiro da relva ao amanhecer e o leite ordenhado no curral. Quanta lembrança, quanta saudade!
O sertanejo ou caipira, como preferir o letrado da cidade, não desperdiça seu tempo, com coisa sem proveito. Dorme cedo, alimenta-se com comida natural, não confunde diversão com violência, ama a família como ninguém e envelhece em silêncio, como a árvore do campo. A vida desgarrada de ganância faz da sua velhice, um tempo duradouro. Enruga-se o corpo, mas não alma e o espírito.
Perambulando pelas ruas da cidade, fico a observar o comportamento de pessoas e, também, certas coisas que não aprovo. Mas como caipira de nada entende, prefiro guardar comigo as observações pessoais. Lembro-me que lá no sertão, as pessoas só regam o pé da planta e, em especial, aquela que promete deliciosos frutos. Ninguém coloca água no pé de árvore seca ou morta. Se assim agir, demonstra idiotice e perda de tempo. Caipira no nome, mas não na sabedoria milenar.
Outro dia, nas minhas andanças solitárias pelas ruas tristes da cidade, ative-me a um detalhe, o qual passou despercebido pela população apressada e desinteressada pelo bem comum. Vi que vários cruzamentos necessitam urgentemente de semáforos. Por isso, profetizo que sem eles, grandes tragédias se avizinham. Não me tenham como mensageiro do infortúnio. Longe disso, pelo amor de Deus! Sou apenas um cidadão, sem poder, sem título ou doutorado.
Por outro lado, percebi do alto de minha ignorância, que os poucos semáforos existentes estão defronte ou próximo aos supermercados. Qual teria sido o critério dos tecnólogos de plantão, especialistas em engenharia de tráfego, para a instalação de semáforos, somente nestes locais? Por qual razão, outros locais, como por exemplo, o cruzamento da Avenida Padre Anchieta com a Avenida Padre Leonardo Nunes, não merecem tamanha atenção? Trata-se de um ponto critico e, em especial, na temporada de verão.
Não me critiquem: sou caipira, homem de pouco conhecimento, não letrado e sem “Dr.” no nome. Sou forasteiro e não me malhem, como se eu fosse “Judas”, pelo fato de pôr a mão na ferida. Mas caipira é assim mesmo, atrevido e sem papas na língua. Não sabe ler coisas do progresso, forjado na bigorna da cidade grande; mas sabe, com maestria, ler os sinais da natureza, seja no campo ou na cidade.
Talvez o homem da cidade, costuma plagiar o homem do campo. Só rega a planta que dá bom fruto. A diferença da árvore do campo para a árvore da cidade é apenas uma questão de simbologia ou de interpretação. Em ambos os casos, os frutos podem ser diferentes, mas os interesses, são os mesmos. Arvore seca ou morta, nem pensar!